v. 4 n. 1 (2012): De viagens e viajantes: visões e representações

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Odeio as viagens e os exploradores: assim começa Tristes Trópicos de Levi-Strauss introduzindo-nos no livro de viagem mais significativo do século XX (Levi-Strauss 1955). A viagem constroi o encontro, e “a ciência do Outro foi inevitavelmente ligada à prática de ir para um lugar qualquer” (Appadurai, 1986). Todavia, não é apenas a antropologia uma das dimensões humanas e uma das disciplinas científicas em que a viagem se torna transcendental. A viagem inclui dimensões espaciais, temporais, mas também dimensões culturais que são implícitas e explícitas no encontro. A condição da viagem desenha-se à volta de relações e contradições, veredas e etapas, nexos e justaposições, reconhecimentos e alheamentos, encontros e desencontros, visões e ofuscamentos entre diferentes loci que nem sempre se apresentam como lugares físicos bem delineados.  A condição da viagem conduz-nos, por um lado, para a sua compreensão e consumo, por outro, para a sua representação e lembrança, concretizando ulteriores facetas, mesmo quando consideramos a viagem acabada. Não se pode prescindir disso, ainda que o processo que produz a viagem, em inúmeras maneiras, leve o viajante a reunir as ideias e começar a transcrever, traduzir, representar e explicar uma parte do real ou do não-real deste processo, deste percurso físico e mental. A viagem, construindo um aqui e ali, condensa ideias de memória histórica, de diferenças culturais, de condições sociais, de realidades naturais, de presenças artísticas diferentes em espaços diferentes, tal como ideias de dimensões interconexas ou hierarquicamente desconexas. A viagem narrada trata dos espaços percorridos e dos encontros tal como do próprio viajante. O olhar do viajante implica sempre um plano e certas visões que as terras descobertas confirmam ou contradizem. A descrição é uma ocasião para projetar e exercer o domínio. A escrita da viagem implica a construção de um eu que é a condição da viagem e que alternadamente se desloca, se deslumbra, se apavora, se descobre a si próprio ou se transforma. Cada viajante que escreve acaba sempre por escrever-se.

 

O que nos propomos neste novo número é investigar as múltiplas dimensões e profundezas da condição da viagem nas diferentes construções e representações.

Publicado: 2012-06-25

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